Tutoriais e Técnica

Diagnosticar e prevenir males da altitude

Apesar de não termos altas montanhas em nosso território, estamos cercados por uma das mais belas cordilheiras do planeta, os Andes. Como viajar pela América do Sul não é tão caro, muitos se aventuram pelas altas montanhas da Bolívia, Chile, Peru ou Argentina. Contudo, convém saber que existem uma série de transformações que ocorrem em nosso corpo quando estamos expostos ao ar rarefeito das altitudes mais elevadas.

Se não listarmos os perigos do ambiente – frio, avalanches, pedras soltas, gretas, etc – os maiores perigos em uma alta montanha são os edemas pulmonares, cerebrais e a exaustão – isso mesmo, cansaço. Muita gente morre de cansaço ao escalar em grandes altitudes.

O que acontece quando saímos da nossa altitude normal?

Nosso corpo está habituado com a suavidade da vida ao nível do mar ou a poucos metros acima dele, por isso ao nos deslocarmos para regiões de altitudes superiores aquelas que estamos acostumados temos uma tendência a não nos sentir bem, esse conjunto de males acontece por causa de uma dificuldade de transporte de oxigênio pelas células do sangue, essa dificuldade gera uma sobrecarga no sistema cardíaco e circulatório, fazendo com que o coração bata mais para tentar suprir o corpo com o oxigênio que antes era abundante e agora está reduzido a metade ou até menos.

A altitude produz efeitos diferentes em cada pessoa, por isso não podemos criar uma regra para definir em qual altitude uma pessoa irá passar mal ou o que essa pessoa sentirá. Alguns passam mal nos 3000 metros, outros em 6000 e assim por diante.

Edema pulmonar ou HAPE

O esforço em absorver oxigênio pode fazer com que os pulmões comecem a receber líquido proveniente do sangue e assim dificultem ainda mais a respiração, esse “vazamento” de linfa (fluido que compõe parte do sangue) dentro do pulmão recebe o nome de edema pulmonar ou HAPE. Níveis baixos de oxigênio no sangue irão fazer o corpo forçar os alvéolos pulmonares e pode, em alguns casos, ocasionar um edema pulmonar. Por isso a medição do nível de oxigênio com o auxílio de um oxímetro é algo importante.

oximetro
Oxímetro – usado para medir o nível de oxigênio no sangue

O edema pulmomar se desenvolve mais rapidamente quando não existe um período de aclimatação para que o corpo se ajuste aquela altitude e produza mais glóbulos vermelhos gradualmente (facilitando o transporte de oxigênio) ou quando a pessoa é submetida a esforços grandes demais, tais como deslocamentos com desníveis muito acentuados e com cargas pesadas.

Sintomas do edema pulmonar:

– Tosse seca
– Dificuldade para respirar
– Dificuldade para dormir
– Escarro com indícios de sangue

Em casos mais extremos aparecem sinais de roxidão nas extremidades do corpo (lábios, dedos, etc) e casos de desmaios e perdas de consciência.

Para frear a evolução do edema é necessário que a pessoa desça para uma altitude inferior, 1000 metros ou mais abaixo do ponto em que ela se encontra. Em casos mais graves pode-se usar uma câmara hiperbárica portátil para simular uma altitude inferior àquela que o doente está.

Edema cerebral ou HACE

Neste caso o vazamento de fluidos acontece nos vazos sanguíneos que irrigam o cérebro, gerando um aumento da pressão intercraniana e podendo levar o doente a morte em muito menos tempo que um edema pulmonar. Os sintomas são bem visíveis mas dependem da observação do montanhista por parte de seus companheiros de escalada, diferentemente do que ocorre com o edema pulmonar, muitos doentes tem uma tendência a negligenciar os sintomas do edema cerebral e até mesmo não comentar com os outros membros da equipe. O grande risco aqui é que o edema cerebral mata ou coloca o doente em um estado muito debilitado (devido aos males que ele causa), dificultando e em alguns casos impossibilitando a remoção do doente para uma área mais baixa ou até para fora da montanha.

Sintomas do edema cerebral:

– Perda de apetite
– Dor de cabeça que não é controlada com medicamentos
– Vômitos
– Desorientação e dificuldade de fala (parece bêbado)
– Alucinações e mudanças de comportamento
– Perda da coordenação motora
– Perda da consciência
– Paralisia parcial e total
– Coma
– Morte

A administração de oxigênio engarrafado e dexametasona são as primeiras medidas a serem tomadas quando é diagnosticado um caso de edema cerebral em alta montanha, esse procedimento dever ser o inicial e serve para impedir que o quadro de sintomas evolua e com isso permitir uma remoção da vítima de forma mais simples. Não é possível continuar a escalada, a pessoa tem que ser removida para um posto de atendimento ou hospital tão logo seja possível.

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Câmara hiperbárica de emergência usada em alta montanha

Exaustão e problemas cardíacos

Outros dois itens perigosos em alta montanha são os problemas cardíacos – lembre-se que a necessidade de mais oxigênio irá fazer o seu corpo forçar mais o coração – e a fadiga.

Problemas cardíacos e circulatórios, como obstrução de artérias ou funções e partes do coração que não cumprem seu papel perfeitamente irão gerar quadros de ataques cardíacos ou desmaios por falta de oxigenação correta no cérebro. Pessoas com problemas cardíacos devem evitar altas montanhas e esforços grandes em altitude.

Um outro fator de morte em montanhas é a fadiga. As pessoas atingem o cume em situações precárias, muito debilitadas, e só então se dão conta de que na verdade estão somente na metade do caminho e que a parte mais perigosa – a descida – acontecerá em uma situação onde os músculos e o cérebro já não respondem muito rápido aos comandos.

O quadro de fadiga pode e deve ser evitado cumprindo algumas regras básicas:

– Preparo físico: alta montanha não é passeio no parque. Ou você se prepara corretamente antes da ida para montanha ou então é melhor escolher um pacote da CVC e ir esquiar em Bariloche. A preparação inclui exercícios aeróbicos (corrida, natação, bicicleta) e exercícios de musculação para fortalecer as pernas, abdomem e a musculatura das costas – não deixando de lado os outros grupos musculares grandes, como braços e peitoral.

– Aclimatação: alta montanha se faz com tempo, com deslocamentos constantes entre um acampamento e outro. Indo e vindo para ajustar o corpo a altitude e melhorar a capacidade cardio-respiratória, bem como a absorção de oxigênio.

– Sono: dormir é fundamental.

– Alimentação: se seu corpo vai fazer esforços grandes precisa ter reservas de energia para gastar. Alimentar-se bem é tão importante quanto dormir bem.

– Hidratação: CONSTANTE, desde o acampamento base até o ataque ao cume. Não ingerir líquidos constantemente irá debilitar muito o montanhista.

Em muitos casos onde não é possível remover a vítima ou ela simplesmente não consegue mais nem se locomover o grupo acaba optando por uma solução nada agradável: a pessoa é abandonada na montanha para não por em risco a vida dos demais. É assim que funciona e a história do montanhismo está cheia de casos do gênero, o vídeo mais abaixo ilustra um deles, que aconteceu no Aconcágua. Se vove não quiser se ver ou ver amigos em uma situação assim, aprenda a reconhecer os seus limites e a dizer: “vou descer!”

Tabela de orientação ao montanhista

Existe uma tabelinha que pode auxiliar aos montanhistas no diagnóstico de sintomas dos males de altitude e na tomada de uma decisão. Basta somar os pontos de acordo com os sintomas e comparar com a parte de baixo para saber qual ação deve ser tomada.

tabela-montanha

Boas escaladas.

Trekker, montanhista, mochileiro e ciclista. Pratica esportes outdoor desde 1990. Apaixonado por equipamentos, fotografia, viagens, ciclismo, cerveja e tecnologia.

4 Comentários

  1. Dormir é fundamental.
    Preparo fisico faz diferença principalmente em relação a resistencia muscular.

    Agora o que é vital é a aclimatação. Isso é que eu quero ler mais e entender como fazer da melhor maneira possível.

    abraço mário

  2. Bacana o texto heim…

  3. Fala Mário!!
    Excelente texto cara!! Parabéns!!!
    Abraços.

    Fábio Fliess

  4. Eaí Sr. Mário!!! Tudo bom?
    Muito legal o texto. Um grande abraço e obrigado pelas informações.

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